O EVANGELHO DE MARCOS: UM ITINERÁRIO ESPIRITUAL PARA QUARESMA

03/03/2025 às 14:17h

Autoria do evangelho 5522b

O evangelho de Marcos é atribuído a João Marcos, um discípulo próximo dos Apóstolos, especialmente de São Pedro. É o segundo evangelho canônico, embora não seja necessariamente o segundo na ordem cronológica. A atual pesquisa bíblica situa o evangelho de Marcos como o primeiro dentre os outros três evangelhos: Mateus, Lucas e João.

Nas palavras de São João Crisóstomo, “os evangelistas não escrevem para contar histórias, mas para nos levar à fé, para que, conhecendo as obras de Cristo, imitemos seu zelo e sua prontidão” (Homilia sobre Mateus, 1,1).

Essas palavras de São Crisóstomo, refletem a intenção catequética de Marcos, que escreveu seu evangelho não apenas para narrar fatos, mas para promover uma vivência mais profunda da fé e da imitação de Cristo.

Data da composição

Provavelmente, Marcos escreveu entre 65 e 70 d.C., em um período de perseguição contra os cristãos, sobretudo após o incêndio de Roma (64 d.C.), quando Nero culpou os seguidores de Cristo. A tradição da Igreja sugere que o evangelho seja fruto da pregação do apóstolo Pedro, embora sua teologia esteja mais próxima do ensinamento de São Paulo. O evangelho de Marcos, ainda que vinculado à pregação de Pedro, apresenta uma cristologia centrada na cruz, um discipulado baseado na fé e uma abertura universalista aos gentios, características típicas da teologia paulina. Não há contradição nesses dados, pois Marcos tinha contato com ambos os apóstolos e o dado revelado procede do mesmo Deus, nosso Senhor Jesus Cristo.

O evangelista destaca que Jesus está sempre em ação e caminha inevitavelmente para o sofrimento e a cruz. Sua intenção ao escrever o evangelho é auxiliar os cristãos perseguidos, mostrando que o discipulado a pelo seguimento de Cristo, o servo sofredor. Marcos não se preocupa tanto em registrar longos discursos de Jesus, como Mateus e João, mas enfatiza as obras do Senhor. Ele usa com frequência a palavra "imediatamente" (em grego, euthýs), dando uma sensação de urgência e movimento.

Eis alguns exemplos:

“Então, imediatamente deixaram as redes e o seguiram." (Mc 1,18)

“Jesus aproximou-se, segurou sua mão e levantou-a. Imediatamente a febre a deixou, e ela começou a servi-los." (Mc 1,31)

"Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade." (Mc 7,35)

Essa ênfase típica de Marcos quer destacar a rapidez das ações de Jesus e a urgência da missão. É preciso ler e interpretar essa urgência para os nossos dias. Devemos confrontar essas palavras do evangelho com a nossa vida devota e pastoral. Nosso Senhor tem urgência em nosso chamado e conversão e quer discípulos dedicados ao Seu serviço. Jesus nos pede que O Imitemos na prontidão e generosidade.

Messias sofredor

O evangelho de Marcos também destaca Jesus como o servo sofredor prenunciado no livro de Isaías. Esse cântico profético, escrito séculos antes de Cristo, anuncia um servo que sofrerá pelos pecados do povo, sendo rejeitado, castigado e morto, mas que por meio desse sacrifício, trará expiação e a salvação.

"Em verdade, ele tomou sobre si as nossas dores e carregou os nossos sofrimentos; e nós o considerávamos castigado por Deus, ferido e humilhado. Mas ele foi ferido por causa de nossas transgressões, esmagado por causa de nossas iniquidades. O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e por suas chagas fomos curados." (Isaías 53,4-6)

Tudo isso se cumpriu nas palavras, nas obras e no sacrifício da Cruz de Jesus.

O Filho do Homem veio para servir

O versículo-chave para essa teologia no evangelho de Marcos é:

"Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10,45).

Esse versículo sintetiza a missão de Jesus: Ele é o Messias, mas seu reinado não se baseia no poder humano, e sim no serviço e no sacrifício. A palavra "resgate" (λύτρον, lýtron) faz alusão ao preço pago para libertar um escravo, mostrando que a morte de Jesus tem um caráter vicário, ou seja, Ele sofre em lugar dos outros para redimi-los.

O objetivo deste artigo é fornecer um bom critério para a leitura do evangelho de Marcos. Compreender melhor a intenção original do autor e o contexto histórico do livro ajudará a realizar uma leitura muito mais profunda do Santo Evangelho. Como nos ensina São Paulo: “Examinai tudo, retende o que é bom” (1Ts 5,21). A Quaresma é um tempo propício para a meditação nos sofrimentoz de Cristo, e o evangelho de Marcos, ao enfatizar a paixão e o sacrifício de Jesus, oferece um itinerário espiritual rico para esse período.

Fonte: Matheus Henrique Classmann - Seminarista da Teologia
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